Ao visitar a loja da Chocolate Caseiro Ilhéus vi lá o anúncio do passeio na Fazenda Yrerê, uma das que produzem cacau na cidade. Eu, que já estava querendo conhecer uma dessas, achei interessante por causa do preço. São R$ 30,00 para entrar, fazer a trilha acompanhada com um guia, e apreciar a degustação dos produtos. Considerei importante também o fato de ser um lugar onde, embora esteja na zona rural, é possível chegar de ônibus, embora isso não tenha sido possível para mim (rs).

Eu liguei para a Rota Transportes, empresa de ônibus, e fui informada de que o ponto mais próximo da casa onde eu estava hospedada era na Cabana do Papai, um quiosque na praia. Essa mesma informação me foi dada pelas anfitriãs da casa onde me hospedei pelo airbnb. Pois bem, fui ao local, mas não sem antes saber o horário que o ônibus ia passar, informação que foi dada pelo Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) da viação. O ônibus passou no horário correto, mas não parou.

Imediatamente liguei para o SAC, que disse que ele não parava ali, que era preciso pegar na rodoviária. Questionei, pois no dia anterior não foi isso que me haviam dito, mas a pessoa falou que me informaram errado. Até hoje não sei quem estava certo, nem vou saber, só sei que fiquei pê da vida e resolvi chamar um uber, tendo um gasto que não estava previsto, mas tudo bem, no final das contas valeu a pena.

Na fazenda fui recebida por Adriano, um guia super simpático que me levou para percorrer o local. Me mostrou a plantação de cacau e dois galhos diferentes do cacaueiro: um com Vassoura de Bruxa e outro sem. Vassoura de Bruxa é um fungo que provocou uma epidemia nos pés de cacau em Ilhéus e arredores no final da década de 80 e que, pasmem, levou os grandes coronéis à falência, e, consequentemente, toda a região, dependente economicamente da produção e exportação da fruta.

Galhos do cacaueiro. Foto: Elaine Dal Gobbo

Os galhos com Vassoura de Bruxa apresentam um certo inchaço se comparado ao sem, mas eu nunca perceberia que aquilo estava infectado com o fungo, pois, aos meus olhos, é um galho normal. Adriano explicou que, quando a epidemia começou, não se sabia se o cacau com Vassoura de Bruxa fazia mal à saúde humana, por isso, não foi possível mais vender o produto. O fungo ainda está por lá, atinge a produção, mas hoje, com a ciência de que não afeta a saúde, os frutos são vendidos, mas, se atingidos pela Vassoura de Bruxa, o valor é menor. Adriano afirmou que a Vassoura de Bruxa não chegou ali de forma natural, mas sim, por meio de biopirataria, mas não soube dizer quem fez isso.

Outros moradores da cidade fazem a mesma afirmação e até recomendaram um documentário chamado O Nó, que assisti durante a viagem mesmo, e que apresenta argumentos que vão ao encontro dessa teoria. Um deles é de que técnicos da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) trouxeram a Vassoura de Bruxa, pois haveria redução no número de funcionários e, com a infestação pelo fungo, as lavouras precisariam ainda mais desses profissionais, não sendo mais possível as demissões. O documentário é bom, mas é preciso assistir com criticidade, uma vez que sua produção foi encomendada por cacauicultores.

Os três primeiros minutos, por exemplo, são bem ruins. Acho que querem passar imagem de que os coronéis do cacau eram patrões muito bons, contrastando com a mostrada na literatura, nas novelas e nos filmes. Em seguida, mostram a imagem da ex-presidenta Dilma Rousseff defendendo a Comissão da Verdade para, depois, o narrador dizer que existem várias verdades. Achei muito nada a ver. O que tem a ver a Comissão da Verdade com a Vassoura de Bruxa? Colocaram algo totalmente fora de contexto. Ou, quem sabe, tem aí um posicionamento contrário à apuração e punição dos crimes cometidos pela Ditadura Militar no Brasil, mesmo que seja um posicionamento meio que velado.

Mas vamos deixar essa história pra lá e voltar para a fazenda. Adriano explicou que o cacau fica danificado pela Vassoura de Bruxa, entretanto, sua utilização e venda ficam impossibilitados somente quando a fruta é atingida ainda bem pequena. O guia abriu um cacau para que eu pudesse provar e partiu ao meio uma semente, mostrando seu interior, de onde é extraído o chocolate.

Semente de cacau partida ao meio. Foto: Elaine Dal Gobbo

Depois me levou para o local onde a polpa é deixada para ficar exposta ao sol. Em seguida, fui levada para a casa do proprietário da fazenda, em cuja imensa e linda varanda ele recebe as pessoas para degustação. Degustei um maravilhoso suco de cacau. Tenho total certeza de que nunca provarei outro melhor do que aquele na minha vida. E olha que eu pedi sem açúcar!

Degustação. Foto: Elaine Dal Gobbo

O dono da fazenda se chama Gerson, um cara simpaticíssimo. Pude degustar pequenos pedaços de chocolate que variavam de 60% a 80% cacau. Ele explicou que quanto maior a porcentagem, mais amargo e menos açúcar. A Fazenda, inclusive, já lançou o chocolate 90%, mas ainda não estava disponível para degustação. Quanto maior a porcentagem de cacau, menor a de açúcar, portanto, mais saudável. Gerson explicou que os chocolates da Fazenda Yrerê são feitos com cacau fino, portanto, não são utilizados aqueles infectados pela Vassoura de Bruxa. Disse também que, normalmente, os chocolates ao leite que encontramos no mercado têm muito açúcar e aromatizante, e uma quantidade menor de cacau, além de, muitas vezes, não ser cacau fino.

O dono da fazenda falou uma coisa interessante. Disse que há pesquisas que mostram que 30% das compras de chocolate são as chamadas compras não intencionais, ou seja, aquelas em que a pessoa está no mercado, mas não foi ali para comprar esse produto, mas ainda assim o coloca no carrinho. Trata-se de uma compra movida pelo inconsciente de uma pessoa que necessita de algo para aplacar sua angústia, por exemplo, e nesse caso o chocolate é o instrumento para isso.

Os chocolates com porcentagem maior de cacau acabam sendo mais amargos e, muitas vezes, não muito apreciados, pois, como disse Gerson, somos o país da cana de açúcar, portanto, do doce, e, como bem destacou, quando uma pessoa é de mal com a vida a chamamos de amarga, como se o sabor amargo necessariamente fosse ruim.

Chocolates produzidos na FazendaYrerê. Foto: Elaine Dal Gobbo

A Fazenda Yrerê é muito bonita, aconchegante. Lá, conheci o coité, que me disseram que é uma fruta não comestível, matéria prima do berimbau. Quando cheguei, pensei que fossem maracujás verdes gigantes (rs). Conheci também Farofa, Fubá, Amora e Paçoca, quatro cachorrinhos muito dóceis, e Mel, uma gata bege que como todo gato não dá muita moral para as visitas. E, é claro, comprei alguns chocolates na lojinha da Fazenda.

Coité. Foto: Elaine Dal Gobbo

Dei sorte de que Gerson estava indo para o Centro de Ilhéus e me deu carona. No trajeto, conversamos bastante. Descobri que conheceu o biólogo capixaba André Ruschi, quando ele foi a Ilhéus dar uma consultoria para a criação da área de preservação permanente da Lagoa Encantada. Conheceu também o pai do biólogo, Augusto Ruschi. Falou uma coisa com a qual concordo imensamente, que é que a Nestlé cometeu um crime com os produtos da Garoto.